quinta-feira, 28 de abril de 2011

CASTRO ALVES: O POETA E SUA ÉPOCA

Em 14 de Março de 1847 a Bahia vê o nascimento daquele que seria um dos maiores poetas brasileiros. Antônio de Castro Alves nasceu na “Fazenda Cabaceiras”, hoje município de Muritiba, sertão da Bahia. “Cabaceiras, perto do porto de Papa–gente, no rio Paraguaçu. A vegetação rasteira é salteada de uricuris e cactos mandacaru, além de umbus e cajueiros, estendidos pela campina, até as matas fechadas das vertentes da serra do Aporá...”[1] . Esse ambiente rural que envolve os primeiros anos do poeta baiano tem, posteriormente, profunda influência em sua poesia e visão de mundo. São inúmeros os versos em que Castro Alves fala do sertanejo, do homem comum, da vida simples em meio a natureza...Apesar de passar apenas os primeiros anos de sua vida em Cabaceiras, posteriormente, quando a família muda-se para São Félix, nas margens do rio Paraguaçu, as histórias contadas por sua ama Leopoldina a respeito do sertão povoam sua mente, permitindo que permaneça no imaginário do poeta todo esse carinho que tem por sua região natal.


                                              “Passa, ó vento das campinas,
                                               Leva a canção do tropeiro.
                                               Meu coração está deserto,
                                               Está deserto o mundo inteiro.
                                               Quem viu minha senhora
                                               Dona do meu coração?

                                               Chora, chora, na viola,
                                               Violeiro do sertão.”[2]

No poeta baiano coexiste o sertanejo, com seu profundo respeito pelo campo e pela rusticidade, e ao mesmo tempo o jovem urbano, o estudante inserido nos debates mais acalorados e polêmicos daquela sociedade.
O Brasil de Castro Alves é o Brasil de meados do XIX, um país onde profundas transformações estão em curso. É justamente de 1850 a Lei que proíbe definitivamente o tráfico de escravos da África para ese lado do Atlântico. Com essa medida e a posterior repressão aos traficantes, ficará cada vez mais inviável – isso não de maneira imediata, mas sim gradualmente - a manutenção desse modelo de trabalho, uma vez que seus custos serão contraproducentes.
 É justamente no ano do nascimento do poeta que o senador Nicolau Vergueiro, grande proprietário em São Paulo, colocará em sua Fazenda Ibicaba, entre alemães, belgas, suíços e portugueses, 177 famílias para o trabalho “livre”. Vinham esses imigrantes com a promessa de uma vida melhor, e através de um contrato de parceria constituíram uma forma alternativa ao braço escravo.
Sabemos bem que esse sistema na maioria das vezes não proporcionava ao imigrante a almejada prosperidade econômica, uma vez que o “parceiro” brasileiro, tão acostumado ao trato com o cativo, criava sérios obstáculos a qualquer pretensão de autonomia por parte do colono. É também por volta de 1850 que o imigrante passa a ser utilizado como mão-de-obra assalariada.
O que queremos mostrar com isso é que o Brasil do nascimento de Castro Alves é um país onde coexistem formas econômicas, políticas e sociais, que mais tardes se mostrarão excludentes e contraditórias. Como nos diz Richard Granhan, “O Brasil começa a aproximar-se do mundo moderno durante o período de 1850 até a Primeira Guerra Mundial” [3].
 É por essa época que a vida nas cidades ganha maior importância em razão do aparecimento de novas iniciativas comerciais, financeiras e industriais. “O país conhecerá, pela primeira vez, um desses períodos financeiros áureos de grande movimento de negócios. Novas iniciativas em empresas comerciais, financeiras e industriais se sucedem ininterruptamente; todos os índices de atividade sobem de um salto.” [4]  
Em 1854 o Dr. José Alves, sua esposa Clélia Brasília, juntamente com toda família mudam-se para a capital da província, onde o pai do poeta inicia na sua carreira de professor de cirurgia, primeiramente como substituto, mas rapidamente é investido pelo governo imperial no cargo de professor.
Conforme os vários biógrafos do poeta, e entre eles Afrânio Peixoto, esses tempos na capital da Bahia tiveram grande influência na formação de Castro Alves, uma vez que é por esses anos que o então menino de onze anos inicia seus estudos no Ginásio Baiano. Fundado pelo Dr. Abílio César Borges, posteriormente Barão de Macaúbas, o poeta e seu irmão José Antônio iniciam-se sob um novo método de ensino, baseado na simultaneidade de várias matérias, onde os alunos conheciam as várias disciplinas ao mesmo tempo aprofundando-se em cada uma delas no ano seguinte. Mas os métodos do Dr. Abílio não se resumiam a isso: “...O velho recurso do castigo fora abolido. E mais, o avançado educador estimulava os meninos no gosto das letras, promovendo festas – os outeiros – onde eram distribuídos prêmios aos melhores trabalhos da garotada...Naquela década de 50 o seu colégio abrigava uma plêiade de meninos que iriam se tornar famosos: Antônio de Castro Alves e Antônio Alves Carvalhal, poetas; Rui Barbosa, Sátiro Dias e Artur César Rios, parlamentares; Eduardo Ramos e Francisco Vicente Viana, escritores.”[5]
É no ginásio baiano que Castro Alves tem contato com clássicos da literatura nacional e mundial. É por esses tempos que conhece Lamartine, Vigny, Chateaubriand...e o grande escritor que teve profunda influência em seu espírito: Victor Hugo. Lê Camões, Bocage, Byron, Gonçalves Dias, Alvares de Azevedo...Enfim, a literatura imprimi-lhe marcas que o acompanharão até o final dos seus vinte e quatro anos de vida, e a contribuição dos métodos do Dr. Abílio são inegáveis, o próprio poeta as reconhece: 

                                               “Pois em ti, sublime dia,
                                               Do alto dos céus baixou
                                               O anjo, que á mocidade
                                               Dos rigores libertou.”   

Esses são versos ainda imaturos do ponto de vista literário, são frutos da inspiração de um garoto de apenas treze anos de idade. Contudo, mostram bem a admiração que o garoto Castro Alves tem pelo diretor do seu colégio.
Falamos até agora de algumas influências literárias sobre o poeta baiano, contudo, a Bahia em si tem uma grande contribuição em seu pensamento. Nessas terras, por volta de 1821 e 1822, a oposição e até mesmo ódio entre os reinóis e brasileiros, mostra talvez sua face mais cruenta. Célebres batalhas pela independência e expulsão dos lusitanos, como a batalha de Pirajá, Cabrito...entre outras, marcam profundamente o espírito de Castro Alves, imprimindo-lhe sua marca nacionalista.
Neto de major que lutou pela independência do Brasil, filho de uma terra bastante orgulhosa de seu feito militar na expulsão dos portugueses...O Dous de Julho é para ele a própria expressão da liberdade, uma vez que é nessa data que a Bahia vence finalmente a resistência lusitana, e essa última está estreitamente ligada, no imaginário do poeta, a idéia da opressão, do despotismo...

                                               Não! Não eram dous povos, que abalavam
                                               N’aquelle instante o solo ensanguentado...
                                               Era o porvir – em frente ao passado,
                                               A liberdade – em frente á escravidão
                                               Era a lucta das águias – e do abutre,
                                               A revolta do pulso – contra os ferros,
                                               O pugilato da rasão – com os erros,
                                               O duelo da treva – e do clarão!...”[6]

Nacionalismo e liberdade. São essas duas grandes influências que a ex. Capitania de Francisco Pereira Coutinho imprimem em Castro Alves.
No dia 25 de Janeiro de 1862 o poeta e seu irmão José Antônio embarcam no vapor Oiapoque tendo como destino a cidade do Recife. Iam eles fazer os exames preparatórios para ingressar na faculdade de Direito.
“Pernambuco foi o maior foco de liberalismo, de aspirações de autonomia e de tradição guerreira em todo Brasil”[7]
Se, como dissemos , está umbilicalmente ligado à Bahia o nacionalismo de Antônio de Castro Alves, o mesmo podemos dizer de seu republicanismo em relação a Pernambuco, mais especificamente ao Recife.
 Boa parte das poesias que mostraremos mais adiante para demonstrar o caráter de seu ideal republicano foram escritas durante sua estadia em Recife. O século, Agosto de 1865; Ao Dous de Julho, Setembro de 1866; Pedro Ivo, Maio de 1865; As Duas Ilhas, também de 1865; A visão dos Mortos, Dezembro de 1865...Aliás, parte considerável das poesias reunidas postumamente em seu livro Os Escravos também foram escritas em terras Pernambucanas. O contato com o ambiente acadêmico e os ares históricos  daquela região impregnam a alma de Castro Alves.
Pernambuco é região com forte tradição na luta por autonomia. Em 1824 quando D. Pedro I dissolve a câmara,a província arrasta, sob sua liderança, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas e Sergipe na união republicana denominada Confederação do Equador.
Já em 1817 a reação ao domínio português e a contestação ao absolutismo carrega Pernambuco, mais uma vez espalhando a sedição pelas demais províncias nordestinas, aos campos de batalha. Os “revolucionários” pretendiam a emancipação política e o estabelecimento da forma republicana de governo, para isso organizaram um governo provisório composto por diferentes categorias sociais e econômicas.
A reação da monarquia não tardou, vários líderes foram executados ou presos e a ordem colonial restabelecida. Porém, nada mais significativo e explicitamente marcante no imaginário de Castro Alves que a Revolução Praieira de 1848. Tanto é assim que a um de seus líderes dedicou um de seus mais belos poemas: Pedro Ivo.


                                   “Que importa se o tum’lo ninguém lhe conhece?
                                    Nem tem epitaphio, nem leito, nem cruz?...
                                   Seu tumulo é o peito do vasto universo,
                                   Do espaço – por cupola – as conchas azúes!...”[8]

Nesse poema Castro Alves ao mesmo tempo que mostra sua predileção pela república destila toda sua eloquência contra a escravidão e o estado de coisas que ela criava. Nesses versos o poeta mostra, como falaremos mais adiante, a simbiose entre seu republicanismo e abolicionismo, pois para ele a escravidão forja diversos vícios na sociedade.
A Praieira, considerando a heterogeneidade nela contida, mostrou também sua face mais radical, representada pelo republicano Antônio Borges da Fonseca, crítico veemente do imperador e por que não pelo gênio estrategista do “Capitão da Praia” Pedro Ivo Veloso.
        “Pela carta escrita em 16 de Janeiro de 1864 a Marcolino de Moura, condiscípulo e amigo, alguma cousa sabemos da vida nova de Castro Alves: - Minha vida passo-a aqui numa rêde olhando o telhado, lendo pouco, fumando muito.”[9] Se a nova vida em terras pernambucanas não era em nada atraente para José Antônio, que cada vez mostrava-se mais sombrio, depressivo e alheio realidade, Castro Alves também compartilha o tédio de seu irmão mais velho.
Em princípio  moram em um convento, o São Francisco, contudo logo mudam-se para uma casa as margens do rio Capibaribe onde conhecem o amigo Luis Cornélio, com quem o poeta costumava passear naquelas tardes melancólicas pelas margens do rio. É em razão desse marasmo e desinteresse pela carreira jurídica que Castro Alves será reprovado por duas vezes nos exames preparatórios para o ingresso no curso de Direito. Somente em Março de 1864 o poeta, ainda extremamente abalado pelo suicídio de seu irmão no mês anterior, consegue ingressar na Faculdade de Direito do Recife. Um ano antes, porém, publica os seus primeiros versos abolicionistas: A Canção do Africano.
           É também nessa época que a Companhia de teatro do conhecido ator Duarte Coelho apresenta-se no teatro Santa Isabel, e no elenco estava aquela que talvez tenha sido o grande amor da vida de Castro Alves: A atriz portuguesa Eugênia Infante da Câmara.
No ano de 1864, apesar de já devidamente matriculado e freqüentando o curso, o poeta é acometido por uma moléstia e embarca precipitadamente para Bahia, perdendo assim o ano. “Mocidade e Morte” ou como era o título original, “O Tísico”, data dessa época, e mostra bem como a idéia da morte, um lampejo do sangue expelido pelos pulmões, atormenta-o:

                                   “Oh, eu quero viver, beber perfumes
                                   Na flor silvestre, que embalsama os ares;
                                   Ver minh’alma adejar pelo infinito,
                                    Qual branca vela n’amplidão dos mares.
                                   No seio da mulher há tanto aroma...
                                   Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
-          Arabe errante, vou dormir á tarde
A’ sombra fresca da palmeira erguida

Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o somno sob a lágea fria.”


Em Março de 1865, já restabelecido da moléstia, embarca novamente Castro Alves no Oiapoque para dar prosseguimento ao curso. É durante a viagem que conhece aquele que seria um de seus poetas favoritos, o já famoso Nicolau Fagundes Varela. O ano de 65 é marcado pelo desinteresse em relação ao curso jurídico e pelo despontar de seu gênio poético. Pouco assíduo as aulas, morando no bairro Santo Amaro com a “misteriosa Idalina”, da qual pouco se sabe, o poeta mostra toda sua virulência contra a escravidão. É nessa época que escreve Pedro Ivo, O Bandido Negro, A cruz da estrada...entre outros.
Em Janeiro de 1866 morre na Bahia seu pai, o Dr. Antônio José Alves, mas após breve estadia em sua terra natal o jovem de dezenove anos volta ao Recife para o segundo ano de direito.
 1866 marca, além da continuidade de sua crítica ao escravismo, que tem um de seus pontos altos na fundação de uma sociedade abolicionista, onde entre outros membros figurava o futuro grande intelectual brasileiro Rui Barbosa...Marca também o início de seu romance com Eugênia Câmara. Após as defesas acaloradas que o poeta faz da atriz portuguesa no teatro Santa Isabel, após versos e mais versos de amor...Em fins de Setembro Eugênia vai morar com o poeta numa casinha entre Recife e Tejipió.
Em meio a essa tranqüilidade e com a ajuda de Eugênia Castro Alves trabalha naquela que seria sua grande peça de teatro. É durante esse “retiro” que o poeta da luz ao “Gonzaga”, um drama que teria por pano de fundo a Inconfidência Mineira mas que tinha como foco principal a denuncia da escravidão. Eugênia seria a Marília.
No Recife não conseguiu encenar sua peça, abandona então o terceiro ano do curso e a      de Junho de 1867 parte para a Bahia com Eugênia. Ficaria em sua terra natal menos de um ano, mas tempo suficiente para ver O Gonzaga representado pela primeira vez em pleno 7 de Setembro. Em sua estadia na Bahia volta a famosa Boa Vista, casarão onde residiu com seus pais e irmãos durante sua infância, onde também morreu sua mãe no ano de 1859 e que dará nome a um de seus mais melancólicos e saudosistas poemas:


                                   “Era uma tarde triste, mas límpida e suave...
                                   Eu – pallido poeta – seguia triste e grave
                                   A estrada, que conduz ao campo solitário
                                   Como um filho, que volta ao paternal sacrário,...”[10]

Em princípios de 1868 a idéia de ver seu drama encenado na capital do império leva o poeta a “formosa terra de Guanabara”.[11] Apresentado por carta ao romancista José de Alencar, a quem o poeta dedica um volume de Espumas Flutuantes que por felicidade podemos agora usar seu fac-símile, é recomendado por esse a Machado de Assis, que pelo que conta seus biógrafos ficou impressionado com o gênio do poeta baiano: “Achei um poeta original...A musa do Sr. Castro Alves tem feição própria.”[12].
Em 1868 o Brasil ainda está em guerra com a república paraguaia e no dia 19 de Fevereiro a esquadra brasileira rompe as defesas que trancavam as passagens de Humaitá. Na corte o entusiasmo patriótico é grande e Castro Alves recita o poema “Pesadelo de Humaitá”, uma das poucas referências que faz a essa guerra. Nesses versos o poeta exalta o heroísmo brasileiro, participando do entusiasmo geral, contudo, a margem do poema coloca uma observação: “não se publica”. Apesar de ter se alistado no batalhão de voluntários em seus tempos de Recife, e de versos exaltando os soldados brasileiros, como já dissemos, não sabemos bem a posição do poeta frente a essa guerra hoje extremamente impopular. O que podemos dizer é que Castro Alves aparentemente compartilhou as alegrias de seus contemporâneos pela vitória nacional.
Contudo seu objetivo principal fracassou, uma vez que quem domina o teatro carioca por esses tempos é a Companhia do Sr. Furtado Coelho, ex-amante de Eugênia Câmara e pai de sua filha Emilia, e a mesma companhia recusa encenar o espetáculo  Gonzaga.
Parte então, a 13 de Maio do mesmo ano para São Paulo, onde além de encenar sua peça poderia dar prosseguimento aos estudos jurídicos na faculdade do Largo São Francisco.
 A cidade de São Paulo por esses tempos  já começa a despontar sob a prosperidade do café que desenvolve-se na província, tornando-se gradualmente a base de sua economia e urbanização, contudo, não é ainda a grande capital, ao contrário, carrega muito ainda de seu antigo provincianismo. Mistura os velhos sobrados com o primeiros palacetes dos senhores do café. É a São Paulo das primeiras estradas de ferro, do início da imigração como substituta do braço escravo, dos grandes cafezais...E da Faculdade do Largo São Francisco, que por esses tempos já é conhecida como “burgo dos estudantes”[13] .
Para sentirmo-nos um pouco mais perto da São Paulo de meados do XIX o próprio poeta pode nos ajudar. Em carta datada de 8 de Abril a Augusto Guimarães diz: “Eis-me em S. Paulo, na terra de Azevedo, na bela cidade das névoas e das mantilhas...Nós os filhos do norte sonhamos S. Paulo o oásis da liberdade e da poesia plantadoem plenas campinas do Ipiranga...Sim! porque aqui não há senão frio, mas frio da Sibéria; cinismo, mas cinismo da Alemanha; casas, mas casas te Tebas; ruas, mas ruas de Cartago...casas que parecem feitas antes do mundo, tanto são pretas; ruas que parecem feitas depois do mundo – tanto são desertas...Entretanto, inclino-me a preferir S. Paulo ao Recife”[14].
Em São Paulo Castro Alves e Eugênia vão morar no Hotel Itália e o poeta participa ativamente de encontros literários, como aquele organizado no Arquivo Jurídico e Literário para apresenta-lo a comunidade acadêmica. Poucas aulas e agitada vida social, porém é nessa época de grande reconhecimento de seu gênio literário que Eugênia, irritada com os ciúmes do poeta, coloca seus pertences na rua.
Entre Abril e Junho Castro Alves escreve aqueles que seriam os versos de sua consagração como poeta abolicionista. Um, Vozes D’africa, o poeta fala das desgraças daquele continente, que erguendo sua voz aos céus pergunta a Deus a razão de tamanha maldição. Nessas estrofes mostra como a América está intimamente ligada a desgraça do continente negro:


                                   “ Hoje em meu sangue a América se nutre
                                   Condor – que transformara-se em abutre “[15]

Outro, sua obra-prima, O Navio Negreiro, onde pinta a maneira de Rugendas[16] a sorte daqueles negros transportados da África para o Brasil nos conhecidos “tumbeiros”. Recita-o a 7 de Setembro no Ginásio Literário sob os olhares das senhoras e de poderosos fazendeiros:

                                   “Era um sonho dantesco...o tombadilho
                                   Que das luzernas avermelha o brilho,
                                               Em sangue a se banhar.
                                   Tinir de ferros...estalar de açoite...
                                   Legiões de homens negros como a noite,
                                               Horrendos a dançar...”[17]

É nessa época que o poeta vai morar na republica dos baianos juntamente com aquele que seria uma das personalidades mais destacada do início da republica. Rui Barbosa. Sua preocupação agora era representar O Gonzaga em São Paulo, uma vez que até já havia conseguido patrocínio de um certo Barão de Iguape. Após conseguir que o ator Joaquim Augusto Ribeiro de Souza contracenasse com sua Eugênia, finalmente vê o drama representada a 20 de Outubro no Teatro São José. O sucesso é inegável, contudo a distância entre o poeta e Eugênia é cada vez maior.
A 11 de Novembro de 1868 o poeta sai para caçar pelos lados do Brás, por infelicidade e descuido, um tiro no próprio calcanhar dará início a um longo período de efermidade. O ferimento, agravado ainda pela tuberculose prende Castro Alves a cama por vários meses...O frio e a garoa de São Paulo também em nada contribuem para seu restabelecimento...Volta para o Rio de Janeiro, onde tem seu pé amputado em começos de Junho, e conforme todos seus biógrafos, o seu estado pulmonar não permitiria a anestesia por clorofôrmio. No Rio ainda reencontra-se com Eugênia, contudo, a despedida era mesmo definitiva.
Aos 23 anos de idade, após conhecer homens como Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Rodrigues Alves...Ser aluno de José Bonifácio...Deixa o poeta as “terras do sul, para onde eu levara o fogo de todos os enthusiasmos, o viço de todas as illusões, os meus vinte annos de seiva e mocidade, as minhas esperanças de glória e de futuro:...”[18]
Volta então o a sua terra Natal. Primeiro vai para o Curralinho, fazenda de seus parentes maternos, depois, já em setembro de 1870 volta a Salvador, onde escreve No Meeting du Comité du Pain, poema no qual lamenta a derrota francesa frente as tropas prussianas na guerra que travaram as duas nações naqueles anos. Nesses versos Castro Alves vê na derrota francesa a própria derrota das luzes, era a submissão daquela que foi o berço da revolução:

                                   “Ó França! Deste a luz que de teu ser jorrava1
                                   Ó França! Acolhe agora em recompensa...o pão.
                                   O Cristo no deserto os pães multiplicava,
                                   Faça agora o milagre, ó França, o coração! [19]

Suas lamentações não parecem levar em conta que quem governava os franceses na época  era Napoleão III, que de republicano nada tinha. Aliás, a maneira pela qual esse descendente de Bonaparte I chegou ao poder ficou celebrizada na obra de Karl Marx, O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte: “ A 2 de Dezembro, a Revolução de Fevereiro é escamoteada pelo truque de um trapaceiro...” Contudo, o que Castro Alves tem em mente nesse momento é a “gloriosa França”, o berço da liberdade e a fonte de luz do mundo.
A partir daí o estado de saúde de Castro Alves declina dia a dia. O inverno, a tuberculose...Os males só eram amenizados pela convivência com a família e pela sua recente paixão pela professora de canto e piano de suas irmãs. “Das festas de 2 de julho ouviu apenas o eco distante, que lhe entrou pela janela aberta com os bafos da manhã...O Dr. Souto segredou, que não havia mais esperança de sobreviver áquela semana. Na quinta-feira, 5 de julho, circulou pela cidade a notícia de que Castro Alves agonizava.”[20]   
Na sexta-feira, 6 de Julho de 1871 morria na Bahia Antônio de Castro Alves, tendo ainda podido ver sua obra Espumas Flutuantes ser publicada. Em 1876 é publicada A Cachoeira de Paulo Afonso e sete anos mais tarde vários de seus poemas “abolicionistas” são publicados em Os Escravos.
Morria Castro Alves. A monarquia brasileira ainda sobreviveria mais dezoito anos e a escravidão negra mais dezessete. Não viu o poeta a concretização de seus sonhos. Mas o que importa, quando os sonhos são a matéria-prima do porvir ?


[1] Peixoto, Afrânio. Castro Alves – O poeta e o poema. Editora Brasiliana. 5º Edição. São Paulo.1976.
[2] ALVES, Castro. Canção do violeiro. Em: Os Escravos. Editora Martin Claret. P 73.
[3] GRANHAN, Richard. Grã Bretanha e o início da modernização no Brasil. Editora Brasiliense. 1973. P.31
[4] JUNIOR, Caio Prado. História Econômica do Brasil. Editora Brasiliense. 17º Edição. P. 154.
[5] SILVA, Francisco Pereira. ARINOS, Afonso de Mello Franco (supervisão). Castro Alves. Editora Três. Rio de Janeiro. 1974.
[6] ALVES, Castro. Ode ao Dous de Julho. Em: Espumas Flutuantes. Edição fac-similada da príncipe de 1870. P122
[7] HOLANDA, Sérgio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II. O Brasil Monárquico. 1 Processo de emancipação. Difel/ Difusão Editorial S.A. p. 187.
[8] ALVES, Castro. Pedro Ivo. Em: Espumas Flutuantes. Edição fac-similada da príncipe de 1870. P. 66
[9] CALMON, Pedro. A Vida de Castro Alves. Livraria José Olympio. Rio de Janeiro 1956. P. 78
[10] ALVES, Castro. A Boa Vista. Em: Espumas Flutuantes. Edição fac-similada da príncipe de 1870. P. 97
[11] Expressão contida no prologo de Espumas Flutuantes.
[12] Carta de Machado de Assis dirigida a José de Alencar no Correio Mercanti. Em: CALMON, Pedro.
A Vida de Castro Alves. Livraria José Olympio. Rio de Janeiro 1956. P. 189

[13] Em: PESSOA, Reynaldo Xavier Carneiro. O Ideal Republicano e seu papel histórico no segundo reinado:1870 – 1889. Coleção Monografias. nº 06.Edições Arquivo do Estado de São Paulo. 1983. P. 67.
[14] Esse trecho da carta de Castro Alves está no livro de Pedro Calmon que já citamos anteriormente. P. 200
[15] ALVES, Castro. Vozes D’Africa. Em: Os Escravos. Editora Martin Claret. P. 112
[16] Johann Moritz Rugendas, pintor alemão nascido em 1802 na cidade de Ausburg, viajou pelo Brasil do Primeiro Reinado onde retratou muito da vida cotidiana de nossa sociedade. Chamam a atenção suas obras referentes a aspectos da escravidão brasileira, como seus famosos quadros retratando o desembarque dos negros e o interior de um “tumbeiro”.
[17] O Navio Negreiro. Em: Os Escravos. Editora Martin Claret. P. 98.
[18] ALVES, Castro. Prologo  do livro Espumas Flutuantes.
[19] ALVES, Castro. No Meeting du Comité du Pain. Em: Castro Alves: Os mais lindos poemas. Obras imortais da nossa literatura. Editora Três. P. 181
[20] CALMON, Pedro. A Vida de Castro Alves. Livraria José Olympio. Rio de Janeiro 1956. P. 318