quinta-feira, 9 de junho de 2011

TERRA NEGRA

Terra negra, de Andrew Méier, é uma verdadeira viagem à Rússia pós-soviética. O livro não é um simples relato de um turista comparando a Rússia com sua terra natal, ao contrário. Méier é profundo conhecedor da língua e da cultura russa. Em sua obra sentimos o clima opressivo de Moscou, o cheiro da carnificina na Chechênia, o vento gelado e a sensação de liberdade da vastidão siberiana, a mistura de culturas das Sakalinas, enfim, o caleidoscópio de paisagens e culturas que formam a paisagem e a cultura desse país tão fascinante que é a Rússia.
Méier relata suas viagens pelo antigo império dos czares em meados dos anos 1990. O país, recém saído do regime “comunista”, escancarou sua economia aos “investimentos” privados. As antigas estatais foram parar nas mãos dos “novos magnatas”, estrangeiros e nacionais. Os arsenais do Exército Vermelho também. Moscou aparece como uma terra opressiva, onde convivem a secular corrupção e autoritarismo, com a liberdade de mercado, que parece tornar tudo mais opressivo ainda, sobretudo, para as classes mais baixas.
A Chechênia é como um buraco negro engolindo a juventude de milhares de recrutas do exército russo e de civis de diversas etnias. É uma verdadeira encruzilhada na qual se meteram Ieltsin e Putin.
Na vastidão siberiana, ao longo do curso do rio Ienissei, passamos pelas “cidades atômicas”, onde conforme as piadas de populares, as crianças cresciam mais que em qualquer outra parte. Nesse mesmo caminho adentramos às “cidades mineradoras”, antigos Gulags, que ajudaram a construir o poderio soviético sob os ossos de milhares de inocentes.
O livro de Méier não é uma obra histórica, tampouco um tratado sociológico, é apenas o olhar de um viajante encantado com a complexidade de uma terra encantadora por sua natureza, seu povo e formação histórica. Nessa viagem a bordo dos olhos de Andrew Maier, somos levados a conclusão de que o autoritarismo não começou com os bolcheviques e tampouco terminou com eles. O pesado fardo da servidão e autoritarismo do secular regime dos czares, embrenhou-se nos ideais comunistas, perpassando-os, fazendo-se sentir a todo o momento nessa encantadora viagem á “terra negra”.

Saimov

Terra Negra: uma viagem pela Rússia pós-comunista
Meier. Andrew. Editora Globo. 2005.
 

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A MARCHA PELA INTOLERÂNCIA

Os jornais de todo país noticiaram nessa segunda-feira a Marcha pela Família, que reuniu cerca de 20 mil católicos e evangélicos em Brasília. Lembro-me de um evento semelhante nos idos de 1964, que acabou sendo uma espécie de prólogo para um golpe militar que instaurou um regime de ódio, terror e intolerância no Brasil.
No melhor espírito cristão, os manifestantes armados com as sagradas, ou sangrentas, escrituras, marchavam contra o Projeto de Lei (PL) 122/06, que criminaliza a homofobia. Resumindo, reivindicavam o legítimo direito de serem intolerantes e manifestarem seu ódio contra pessoas que escolheram viver de maneira diferente.
Pelo contexto geral da obra, a tal marcha também me traz a mente as manifestações nazistas em meados da década de 1930, onde os alvos arianos legitimamente praticavam seu direito de ódio contra as raças inferiores. Claro que existem diferenças gritantes entre esses dois contextos: a suástica foi substituída pela cruz e o Mein Kampf pela Bíblia.
Tal qual a lei que criminaliza o racismo, a PL 122/06, se aprovada, seria uma grande conquista social, pois constituiria um fundamento legal tanto contra a violência aberta e selvagem que assistimos em nosso dia-dia, como também contra formas mais sutis, porém, não menos violentas, de discriminação homofóbica.
Semana passada já havíamos sido brindados com uma verdadeira Jihad católico/evangélica contra um material que o Ministério da Educação iria distribuir na rede pública de ensino. O popularmente chamado Kit Gay constituía uma tentativa de amenizar a homofobia na sociedade, uma vez que mostrava relações entre casais do mesmo sexo como tão dignas de respeito quanto as heterossexuais.
Em um e outro episódio as bancadas religiosas empunharam suas cruzes e saíram em marcha pelo ódio e intolerância.
Lamentável! Não me espanto com mais nada! Em plena “Era das viagens espaciais” ainda encontramos práticas da Idade Média. Faço minhas as palavras do sábio Terêncio: “Nada do que é humano me é estranho”. Sinceramente não me causaria espanto se na próxima semana, em nome da família e dos bons costumes, assistirmos á uma “Marcha pela Fogueira contra os hereges”.
Finalizo meu texto com as cálidas palavras do angelical deputado Jair Bolsonaro, representante da bancada católica no Congresso:

Eu acredito em Deus. Sou católico. Mas é coisa rara ir à Igreja. Eu já li a Bíblia inteirinha, com atenção. Levei uns sete anos para ler. Você tem bons exemplos ali. Está escrito: "A árvore que não der frutos, deve ser cortada e lançada ao fogo". Eu sou favorável à pena de morte.”


SAIMOV

P.S. Retomando a discussão anterior, não vi na tal “Marcha da Intolerância” nenhum representante da comunidade científica.