segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A FÊMEA DO BONOBO


Com 98 % de carga genética partilhada com os humanos, os bonobos provavelmente são um de nossos “parentes” mais próximos na árvore evolutiva. A sociedade dos bonobos é centrada na fêmea e de acordo com pesquisadores, diante de uma possibilidade de conflito entre dois bandos as matriarcas de um e outro grupo esfregam as genitálias para selar a paz.
Como ainda estamos longe do dia em que Dilma Rousseff e Cristina Kirchner esfregarão suas genitálias para resolverem uma contenda internacional ou mesmo judeus e palestinos transformarão a Faixa de Gaza em uma homérica suruba pacifista, temos que conviver com a violência como uma das possibilidades para resolução de conflitos, sobretudo, quando todas as tentativas de diálogo foram frustradas pela intransigência de ao menos uma das partes.
Gostemos ou não, a violência e repressão são indissociáveis, ao menos até hoje, de nossas organizações sociais. Os romanos submetiam seus prisioneiros de guerra a condição de escravos para colocar a economia em movimento; os indianos até hoje convivem com os subprodutos da sociedade de castas, mantida também pela violência. O século XX assistiu carnificinas de proporções titânicas movidas pelo radicalismo ideológico.  Enfim, a violência não é monopólio de cristãos, comunistas, muçulmanos, capitalistas, “bushistas” ou “lulistas” e não faltam exemplos de como está emaranhada na História das sociedades humanas.
Porém, violência e repressão, tal qual Mefistófeles, assumem aspectos e graus diversos. Paulo Freire, em “A Pedagogia do Oprimido”, desenvolve os conceitos de “ser mais” e “ser menos”, que a princípio podem parecer românticos e vazios, mas que na verdade levam a importantes questionamentos. “Ser mais” estaria ligado ao desenvolvimento de toda potencialidade humana (especialmente as relacionadas ao conhecimento) e “ser menos” diz respeito aos entraves a esse desenvolvimento. A partir desse raciocínio, percebemos formas de violência bastante veladas, porém, não menos efetivas e odiosas para suas vítimas. O trabalhador constrangido a passar metade do seu dia a serviço de seu patrão pode estar sendo violentado, uma vez que é despojado das mínimas condições físicas e mentais para ter contato com a ciência, a arte, o “ócio criativo”, enfim, ele não pode “ser mais”, pois seu salário mal paga sua subsistência e seu tempo livre é usado para “descansar com o único fim de estar descansado para trabalhar no outro dia”. Inclusive a “educação” que lhe é ofertada serve mais para qualifica-lo como mão-de-obra do que qualquer outra coisa. Esse trabalhador é violentado sistematicamente pela extenuante jornada de trabalho a que é submetido e reprimido de desenvolver-se intelectualmente pela impossibilidade econômica.
Milhares de crianças já nascem condenadas a “ser menos”, uma vez que desde a tenra idade deixam de “ser crianças” para tornarem-se parte importante no sustento da família. Assim, enquanto uns poucos desfrutam de “escolinhas de futebol”, livros da série “Vaga-lume”, “das feiras de ciência da escola”, das “Barbies” e “Hello Kitty”, considerável parte de nossas crianças se transformarão em adultos mal alfabetizados aptos apenas a construírem a riqueza alheia. Isso também é violência.
Nossa legislação permite que pessoas desviem exorbitantes somas de recursos destinados a hospitais e escolas para suas casas na praia, e ainda assim continuem impunes. Isso também é violência. A violência econômica muitas vezes condena mais pessoas a miséria que granadas ou fuzis e apesar de aparentemente “mais limpa”, ela apenas tem sua carnificina encoberta por uma ideologia disseminada por instituições estatais, pelos meios de comunicação e pelo “sistema de educação” que patrocina.
Muitos pacifistas, inclusive os mais sinceros, não reconhecem essas formas veladas de violência, porém, soltam gritos de horror quando grupos organizados de setores oprimidos da população empregam certas formas de violência, as vezes as únicas disponíveis, para sacudir o jugo da violência e repressão a que são submetidos diariamente. É a violência da autodefesa, talvez uma das mais legítimas formas de violência. Por vezes, uma maioria se vê em condições tão desesperadoras de existência que precisa se levantar, sacudir o jugo e nesse processo, ou emprega formas de violência e repressão ou se vê massacrada. Em 1964, no Brasil, o “querer evitar derramamento de sangue” possibilitou a instalação do “moedor de carne” dos militares. Allende, se tivesse prendido ou reprimido uma meia dúzia a mais de golpistas, poderia ter evitado o banho de sangue da ditadura encabeçada por Pinochet.
A violência existe, gostemos dela ou não, inclusive é condição sine qua non para a existência do Estado. Enquanto não aprendermos a solucionar conflitos esfregando as genitálias, ao modo dos bonobos, ou pelo diálogo, como parece desejável, teremos que conviver com ela, tentando utiliza-la da forma mais racional e progressista para a maior parte da humanidade e apenas quando e na medida estrita das necessidades. Novos holocaustos, Gulags, massacres por motivações racistas, religiosas ou ideológicas, devem e podem ser evitados a todo custo. Porém, o pacifismo, seja o cínico ou sincero, que não enxerga a violência econômica e social e nega o direito à rebelião ao oprimido, é tão opressor quanto o mais temido dos carcereiros.
O pensamento dialético permite compreendermos as coisas de forma não absoluta e sim em sua inegável condição histórica. O egoísmo, em si, não é bom ou ruim, podendo assumir um caráter progressista ou não em determinadas condições. A mesma ciência que proporcionou a penicilina possibilitou os atos terroristas de Hiroshima e Nagazaki. O medo que paralisa também nos mantém vivos e a coragem pode estar a um passo da insanidade. O mesmo acontece com a violência.

Saimov

Um comentário:

Achilles disse...

Olá Saymon. O seu texto está bem escrito, fundamentado, e me remete à lembrança da primeira aula da disciplina TGE em que o lente nos advertia: quer saber o que é o Estado? Saia à rua e proteste. O Estado tem o monopólio da violência (...), etc, etc. Era meado dos 70. Somos pacifistas, graças a Deus - parafraseando o título de peça de teatro de sucesso à época. Abraço.
Achilles F. Abreu