quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A REVOLUÇÃO PERMANENTE E O “ORIENTE MÉDIO”



            Entre 1905 e 1906 o jovem revolucionário Leon Trotsky, sob as impressões da  Revolução de 1905, formulou as bases de sua conhecida Teoria da Revolução Permanente. Nesse período, o pensamento hegemônico no marxismo russo se apegava a ideia de que a Rússia deveria primeiramente passar por uma revolução burguesa, consolidar o Estado democrático burguês, para só então pensar em uma revolução socialista. Essa ideia tinha implicações bastante práticas, uma vez que se desdobrava no apoio e na submissão política dos socialistas frente aos liberais.
            A partir de uma análise da formação histórica e econômica do Império Russo, Trotsky se colocou diametralmente contra esse paradigma. Para ele, a débil burguesia russa nasceu e se desenvolveu sob o patrocínio da autocracia czarista e dessa forma, não constituía uma força revolucionária tal qual a burguesia francesa, por exemplo. Por outro lado, apesar de o proletariado russo constituir uma minoria em relação à população absoluta, a concentração industrial e o porte das indústrias, possibilitou a formação de um proletariado altamente combativo e revolucionário. 
            Assim, para Trotsky a Rússia não precisaria necessariamente passar pelo período de consolidação burguesa, como pregavam os mencheviques, por exemplo. Não precisaria e não poderia, uma vez que a burguesia russa seria “por natureza” reacionária. Trotsky rompeu com o menchevismo justamente nesse ponto, ou seja, ao propor que a revolução na Rússia deveria ser permanente, passando da fase burguesa ininterruptamente para  a fase socialista. Dessa forma, mesmo as “conquistas tipicamente burguesas”, como liberdades civis e políticas, deveriam ser levadas sob a liderança do proletariado. Uma vez no poder, esse proletariado não trabalharia no sentido de manter sua própria exploração, ao contrário, iniciaria a fase socialista da revolução expropriando os meios de produção e colocando-os sob seu controle.
            As atuais revoluções no Oriente Médio[1], que ficaram conhecidas como a “Primavera Árabe”, revelam um forte descontentamento com regimes políticos autoritários, opressores, que por muito tempo conseguiram conter pela força das armas os anseios populares. Na Síria uma verdadeira Guerra Civil colocou o povo e diversas lideranças tribais em armas contra o regime de Bashar al-Assad. Na Líbia o descontentamento popular culminou na derrubada do governo do fossilizado Khadafi. No Irã, apesar de contida pela repressão, a insatisfação não é menor e isso ficou evidente na última eleição de Mahmoud Ahmadinejad. Iêmen, Tunísia... A revolução bate as portas. Mas o caso mais emblemático parece ser o Egípcio.
            No Egito, apesar da derrubada do presidente Hosni Mubarak, as massas não abandonaram “a praça”, mostrando claramente sua insatisfação com as reformas na superfície política, com o poder que ainda desfruta o exército e com as condições sociais que esmagam o povo. O atual governo da Irmandade Muçulmana, presidido por Mohamed Morsi, tenta calar com a força das baionetas os gritos de “pão, liberdade e justiça social” que ecoa nas ruas. Nessa perspectiva, o Egito é um forte indicativo de que a  luta do “povo árabe” por democracia é apenas a ponta do iceberg. A insatisfação é bem mais profunda e a “Primavera árabe” talvez não se detenha em sua fase de construção da democracia burguesa.
            Líbia, Síria, Egito Irã, Iêmen, enfim, o que aqui chamamos de Oriente Médio, são países caracterizados por economias extremamente dependentes do petróleo e com um proletariado relativamente especializado. Contam também, esses países, com importantes concentrações urbanas. A insatisfação com os regimes autoritários é agravada, ou mesmo despertada, pela péssima divisão da renda do petróleo. Nesse sentido, as contradições sociais parecem profundas demais e talvez não se resolvam com doses homeopáticas de liberdade política. Assim, estaria o “Oriente Médio” condenado a seguir o caminho das democracias ocidentais? A revolução política será inexoravelmente contida na democracia burguesa? Ou ao contrário, o desenvolvimento econômico e social dessa região pode abrir a possibilidade para uma nova e mais profunda forma de democracia, a democracia social?
   Essas perguntas só o tempo responderá e se por um lado o porvir ainda não está escrito e comporta uma série de caminhos e possibilidades, uma lição aprendemos com a História: as revoluções são eventos “abertos”, que tornam inevitável o que antes parecia impossível.

Saymon de Oliveira Justo



[1] O conceito “Oriente Médio” utilizado aqui não é um conceito geográfico, como fica evidente. Sob esse termo refiro-me aos países tanto da Península Arábica como aos do norte da África. O que justifica tal generalização são algumas importantes semelhanças, como por exemplo, o fato de esses países sustentarem suas economias com a exploração do petróleo e seus derivados; a péssima distribuição da renda desse recurso natural; governos autoritários e no plano cultural o islamismo.

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